Malandro imortal
Dicró terá seu nome eternizado em Ramos, bairro que inspirou um de seus sambas
Bom malandro quando morre vira samba. A música ainda não veio, mas
Dicró, o cantor e compositor que colocou a Praia de Ramos no mapa da
MPB, vai virar um imortal do subúrbio. Uma dia após sua morte, o
prefeito Eduardo Paes anunciou que estuda dar o nome do artista a uma
rua ou equipamento municipal no bairro da Zona Norte. Carlos Roberto de
Oliveira, o Dicró, 66 anos, morreu na noite de quarta-feira, de infarto.
Ele era diabético e passou mal após sessão de hemodiálise.
Sambista Dicró morreu após infarto | Foto: João Laet / Agência O Dia
“É uma super perda para a cidade. Ele era um cara que tinha cara do
Rio: gaiato, fanfarrão, malandro. Vamos fazer uma homenagem, sim, a ele,
do tamanho que ele merece, de grande porte”, contou o prefeito Eduardo
Paes.
Trezentos familiares e amigos deram uma pausa na tristeza para lembrar a
alegria do músico. Eles cantaram seus sucessos ‘Praia de Ramos’ e
‘Bingo’ junto ao caixão, ontem à tarde no Cemitério de Mesquita. O
caixão foi coberto com as bandeiras do Vasco da Gama, e das escolas de
samba Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense, de Ramos. Dicró era casado e
tinha três filhos e três netos.
“Eu amava esse homem, não é mole, não. Ele vai deixar muita saudade,
afinal, foram 46 anos de casamento e eu sempre dizia para ele: ‘vamos
fazer 50 anos de casados’, mas não deu, fazer o quê?. Deus quis tirar
ele de mim”, desabafou a viúva, Maria Madalena Silva de Oliveira, 63
anos, que chorava muito.
“Ele era muito brincalhão, não perdia a piada. Tenho muito orgulho de
ser filho dele”, lembrou Roberto Carlos Silva de Oliveira, 41, que
estava com o Dicró quando ele passou mal.
Cotidiano cantado com humor
Há sete meses, Dicró resolveu que daria um tempo no uísque. Era o único
hábito ‘burguês’ que o filho da baiana e mãe de santo Nilcelina Gomes
Ferreira — a quem ele carinhosamente apelidou de ‘Celia Tiroteio’ —
manteve por toda vida. Na época em que mais ganhou dinheiro, a década
80, trocou Mesquita, na Baixada Fluminense, por um apartamento na Rua
Professor Gabizo, na Tijuca, mas nunca se deixou glamourizar pela fama. O
sambista era figura fácil nos trem e ônibus do subúrbio carioca.
Ainda assim, brincava com o sucesso em uma de suas muitas célebres
frases: “Se fui pobre não me lembro”. Dicró — que foi pintor de paredes,
cobrador de ônibus e pedreiro — se autodefinia um eterno gozador, um
cronista do cotidiano. Personagem malandro na rua, em casa, era um pai de família tradicional.
Dicró tinha quiosque no Piscinão de Ramos, onde promovia rodas de samba e era sempre festejado | Foto: Alexandre Brum / Agência O Dia
Do casamento de 46 anos com Madalena Silva de Oliveira, 63, que
conheceu num baile na Baixada, recém-saído do Exército, nasceram Luiz
César (44), Roberto (41) e Jorge Luis (39). Com uma namorada, teve
Henrique (40). “Nunca o coloquei para fora de casa, porque elas iam
pegá-lo e o levariam embora”, disse, saudosa, Madalena.
A primeira das mais de 500 composições surgiu aos 11 anos. Gravou cinco
LPs e nove CDs — muitos vendidos numa banca que ele montou no Largo da
Carioca. Conhecido como o ‘prefeito’ do Piscinão de Ramos, onde promovia
rodas de samba e tinha até um quiosque, Dicró fez história no local:
“Acordei com uma mensagem no celular de que o piscinão estava de luto”,
disse a comerciante Jupira de Oliveira.
Para a dona de casa Iva Rangel, 70, cada visita do músico ao piscinão era uma festa. “Era todo mundo em volta dele. Ele veio aqui na sexta (20), foi a despedida”, lamentou. Sambas como ‘A vaca da minha sogra’, ‘Bingo’ e ‘A Cartela’, retratam o bom-humor característico do músico. “Dicró compôs ‘Vou botar minha nega no seguro’ e eu fiz uma música parecida pra minha: Não pode dar bobeira né?”, brincou Eronildo dos Santos”, 33, com a mulher Antônia Félix, 40.
Para a dona de casa Iva Rangel, 70, cada visita do músico ao piscinão era uma festa. “Era todo mundo em volta dele. Ele veio aqui na sexta (20), foi a despedida”, lamentou. Sambas como ‘A vaca da minha sogra’, ‘Bingo’ e ‘A Cartela’, retratam o bom-humor característico do músico. “Dicró compôs ‘Vou botar minha nega no seguro’ e eu fiz uma música parecida pra minha: Não pode dar bobeira né?”, brincou Eronildo dos Santos”, 33, com a mulher Antônia Félix, 40.
Figura marcante nas letras, a sogra foi uma conquista
Figura marcante nas letras bem-humoradas de Dicró, a sogra dele, Edith
Roque Silva, morreu há seis anos, aos 86. Familiares contam que de
início, ela e o genro não se davam bem, mas o artista, com o tempo e a
fama, a conquistou.
“Ela não tinha paciência com ele porque ele era pintor (de parede) e
sambista, mas samba não dava dinheiro. Ela dizia: ‘Não é que sogra não
goste de genro; sogra não gosta de genro duro’. Mas logo ele passou a
ser respeitado por ela”, revelou Roberto Carlos, filho de Dicró.
Ela nasceu em Recife, teve seis filhos e veio ao Rio quando o marido a deixou. Trabalhou como costureira e doméstica para sustentar os filhos. Com o reconhecimento como artista, Dicró passou a ajudar a família, inclusive Edith, com quem construiu relação carinhosa.
Ela nasceu em Recife, teve seis filhos e veio ao Rio quando o marido a deixou. Trabalhou como costureira e doméstica para sustentar os filhos. Com o reconhecimento como artista, Dicró passou a ajudar a família, inclusive Edith, com quem construiu relação carinhosa.
As brincadeiras, no entanto, continuaram nas letras e frases, em que
ele ora elogia ora fala mal de sogra. Em tom de piada, Edith alimentava o
mito da sogra má: ‘Enquanto ele estiver sustentando a família, deixa
ele brincar’, dizia, rindo, contou Roberto.
Artistas lamentam a perda do compositor irônico
Alto-astral e irreverência. Dicró transformou sua personalidade em
forte marca de sua música. O mundo do samba ficou um pouco mais triste
com a morte do músico, destacaram seu colegas.
Para Moacyr Luz, apesar de Dicró ter uma origem pobre, a miséria que
ele cantava era a do comportamento humano. Outro fã declarado é Zeca
Pagodinho, que disse que no início de sua carreira cantava muito o
repertório do amigo morto. “Ele era um sambista irreverente e bom
astral”. Tia Surica lembrou que ele era autêntico: “Vai fazer muita
festa no céu”.
Fonte:
http://odia.ig.com.br/portal/rio/malandro-imortal-1.434814
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